Celina Portella exibe séries de fotografias inéditas no Rio na exposição Imprevisto, na Galeria da Gávea

Mostra reúne obras em que a artista interfere nos suportes das imagens, criando camadas de significados que instigam curiosidade e estranheza

Artista que transita com desenvoltura por vários campos, como fotografia, vídeo e performance, frequentemente conjugando essas linguagens artísticas e utilizando o próprio corpo como objeto de experimentações, Celina Portella inaugura na Galeria da Gávea a exposição Imprevisto. Nela, a carioca residente em São Paulo, graduada em Artes Visuais e com longo histórico em dança, apresenta pela primeira vez no Rio trabalhos de duas séries desenvolvidas nos últimos anos: Corte e Fogo. A artista também vai mostrar trabalhos inéditos realizados recentemente. A exposição compreende cerca de 20 obras, que ocuparão os dois andares da galeria.

Nas duas séries ela transborda para a realidade a ação representada nas imagens. Nas obras reunidas em Corte (2019) Celina empunha uma tesoura, encenando o gestual proposto pela ferramenta. O registro fotográfico sofre em seguida a ação da própria artista, que recorta o papel no qual ele é feito, editando a representação de si mesma e criando uma vinculação entre a imagem e a matéria. Celina sabe que não existe “neutralidade” quando o artista é agente ativo no próprio trabalho, mas, pela primeira vez, ela abandona uma presença mais “clean” (calça jeans e blusa branca, ou vestimenta toda preta) para ser ela também parte de uma ambientação. As fotografias foram feitas numa casa centenária em Petrópolis, com janelões ornados por cortinas brocadas por onde se projeta uma luz natural; a artista está vestida com saia longa e blusa rendada, imprimindo novas camadas de significados à imagem que produz.

Já na série Fogo (2020) a artista é fotografada com uma chama acesa, ora uma vela, ora um fósforo. Com as fotografias já ampliadas, ela queima o papel, esculpindo-o pelo fogo, que cria aberturas na sua superfície. O corpo se torna, desta forma, agente da destruição da própria imagem. “Quando queimo o papel, ele às vezes apaga o meu rosto, ao mesmo tempo que cria um desenho. E como eu queimo de várias formas diferentes, parece que são vários desenhos, é como se eu desenhasse com fogo. É uma foto, mas é um objeto, é uma performance, no caso é um desenho também, uma mistura de linguagens que acontece de forma recorrente em meu trabalho.”

As duas séries surgiram como um desenvolvimento natural do percurso da artista, que durante muito tempo realizou trabalhos em que a obra rompia os limites da moldura. Foi assim nos vídeo-objetos da série Movimento2 (movimento ao quadrado), de 2010, nos quais o corpo se movimenta interagindo com as bordas do quadro – em dois deles, ela “empurra” a imagem, determinando o movimento da tela sobre um trilho na parede. Em outra série, Fotopinturas (2018), a imagem do corpo interage com a materialidade da tinta. A fotografia mostra a mão da artista pintando uma faixa preta com um pincel,

mas a tinta se estende para além da moldura, atingindo as paredes do ambiente onde a obra está́ sendo exibida.

“Meu trabalho fala sobre corpo e movimento na imagem, e do questionamento da percepção”, diz ela. “Nessas séries mais recentes, comecei a pensar como essa relação poderia acontecer também dentro da moldura, não ser ‘para fora’. Quando eu fazia projeção [como vídeo Auringa, Ahorita y Ahora, de 2009] eu projetava e filmava, aí entrava na imagem de novo, ficavam várias camadas. Percebi que quando corto a imagem no papel também acontecem várias camadas, mas de um modo diferente, é uma sobreposição de tempos. Primeiro, há o gesto que fiz para realizar a fotografia, depois há a impressão da fotografia, em seguida o corte da fotografia.”

Ao lado das fotografias serão projetados dois vídeos: Fogo fátuo, da série Fogo, e Brechas, da série Corte. Em ambos, Celina trabalha com a mesma ideia de sobreposição de imagens.

Algumas obras de Corte e Fogo já foram exibidas em São Paulo, numa grande exposição da artista intitulada Corpo da obra (2022/23), no Centro Cultural Fiesp, e também na individual Manobras (2020/21), na Galeria Zipper, que representa a artista. Na ocasião, a crítica de arte e curadora independente Paula Alzugaray, autora do texto que acompanhava a mostra, observou o “exercício incansável de abrir brechas entre o mundo físico e a imagem que fazemos dele” levado a cabo por Celina Portella.

A exposição na Galeria da Gávea, com curadoria da própria artista e de Ana Stewart, fotógrafa e diretora do espaço, é uma oportunidade de conhecer a produção mais recente de Celina, artista que desafia com inventividade os limites da arte. Como escreve Fred Coelho em seu texto de apresentação de Imprevisto:

“Se a arte hoje nos estimula cada vez mais a observarmos os assuntos em detrimento das formas, Celina Portella desafia cada um a lembrar que há muitos caminhos para chegarmos aos impasses do contemporâneo. Beleza e violência, pureza e impureza, leveza e contundência, tudo convive nesses corpos em constante perigo. E se a casa é o corpo, a imagem é o mundo que, ainda, pode invadir e desestabilizar o esperado.”

Fotos do lançamento nesta quinta-feira (12): Cristina Granatto

Imprevisto

Fotografias de Celina Portella

Texto de apresentação: Fred Coelho

Galeria da Gávea – Rua Marquês de São Vicente 432, Gávea, Rio de Janeiro

Exposição de 13 de setembro a 1 de novembro.

Horário de funcionamento: segunda a sexta, das 11h às 19h.

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